sexta-feira, 22 de junho de 2007

O Anúncio e a Defesa da Fé Cristã: Os Escritores

Os primeiros livros usados pelos cristãos na liturgia e na formação da fé foram, evidentemente, os escritos no Antigo Testamento e depois as Cartas de Paulo, Pedro, Tiago, Judas, João, os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas, João, os Atos dos Apóstolos e o Apocalipse.
Para a edificação e fortalecimento das comunidades, era costume narrar-se o martírio de cristãos. Depois esses "Atos de Mártires" eram enviados às outras igrejas, que se entusiasmavam e fortaleciam com sua leitura. Escreveram-se também outros livros que a Igreja não aceitou como fiel expressão da fé cristã e recebem o nome de apócrifos, não revelados, não canônicos. Entre esses citamos o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Pedro, a Infância de Jesus, a Vida de Maria, o Testamento dos XII Patriarcas, a Ascensão de Moisés.
A Igreja manteve sempre muita vigilância sobre a literatura religiosa, a fim de que conservasse íntegra a unidade da fé entre as comunidades e diante do mundo. O entusiasmo religioso, o fervor dos convertidos sempre correu o perigo de resvalar para a heresia e a fantasia.
Escritos sobre a vida das comunidades
A palavra escrita, anúncio e defesa da fé cristã.
Após o Novo Testamento, os escritos cristãos mais antigos são cartas que serviam de estímulo e instrução para as comunidades. Falam da salvação em Cristo, exortam a que todos esperem com confiança a volta do Senhor, pedem a união em torno dos pastores e que não se deixem seduzir pelas heresias. Estes primeiros escritores são chamados de Pais-Padres Apostólicos: Barnabé, Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Pápias de Hierápolis e a Carta a Diogneto, esta uma bela descrição dos cristãos: eles vivem no mundo, participam de tudo, se parecem com todos, mas são diferentes, pois um outro espírito os anima.
Há um outro conjunto de escritos dos séculos II e III e que versam sobre a vida das comunidades cristãs. São muito importantes porque retratam a vida litúrgica, a organização e os costumes das comunidades.
Um dos mais famosos é a Didaqué – Doutrina dos Apóstolos, que alguns autores pensam ter sido escrito ainda nos tempos apostólicos. Este livro, uma espécie de catecismo, encerra prescrições litúrgicas para o batismo, preceitos sobre o jejum, a oração e o domingo, determinações para as autoridades na Igreja e a doutrina dos dois caminhos.
Outro livro é a Tradição Apostólica de Hipólito, redigida em Roma pelo ano de 215. Transmite-nos informações sobre a antiga liturgia romana e é o primeiro escrito a descrever minuciosamente e registrar orações litúrgicas. Também trata dos ofícios e ministérios na comunidade, como eleição e sagração de bispos e ordenação de presbíteros e diáconos.
Ataques intelectuais ao cristianismo
Os cristãos não tiveram que enfrentar somente a crueldade da perseguição que gerava mártires. O paganismo também desembainhou as armas intelectuais, atacando os fundamentos da fé cristã. São escritores pagãos que agem em defesa da religião imperial romana, da antiga filosofia, pensando estar defendendo a própria unidade do Império.
O mais conhecido destes escritores é Celso, que conhecia o Antigo Testamento e os Evangelhos. Pelo ano 178 escreveu o Discurso Verdadeiro, onde ataca as doutrinas cristãs da encarnação e da redenção e apresenta a vida de Jesus como fruto de enganos e fábulas.
Outro destes polemistas foi Porfírio que, talvez, tenha sido catecúmeno. Pelo ano 270 publicou o Contra os cristãos e Filosofia derivada dos oráculos, oferecendo aos pagãos uma doutrina que afirmava ser de revelação divina.
O imperador-filósofo Marco Aurélio buscou desmoralizar os cristãos, especialmente acusando-os de odiarem a raça humana pelo seu despreendimento em sofrer o martírio. Muitos desses intelectuais procuravam demonstrar que os cristãos eram gente sem eira nem beira, que a fé cristã era coisa para gente fracassada ou desocupada.
Muito sucesso, pelo ano 170, fez a obra de Luciano de Samósata, A morte de Peregrino, história de um filósofo necromante e errante, ridicularizando nos cristãos o amor fraterno e o desprezo pela morte; Luciano quer retratar os cristãos como gente ignorante vítima de embusteiros. Estas obras e outras se constituíram numa forte tentativa de menosprezar a nova fé e evitar a adesão de novos membros.
A resposta dos intelectuais cristãos: as Apologias

As obras anti-cristãs desafiaram a Igreja a elaborar um outro tipo de literatura, dando-lhe aspecto científico, em forma apologética, isto é, de defesa frente aos ataques de intelectuais pagãos. Um grande número de pessoas com sólida formação intelectual entrara na Igreja e sentiu a necessidade do confronto com a filosofia pagã. A fé não nega a inteligência. Pelo contrário, a confirma.
Nascem as Apologias, mediante as quais o cristianismo abriu-se para o mundo, saindo dos pequenos grupos em que se isolava. Os apologistas não só expõem a fé cristã: vão além, demonstrando que a nova religião é o coroamento das mais altas aspirações do ser humano. Em outras palavras, o cristianismo é a realização plena e definitiva de todo o processo religioso e intelectual do ser humano.
Alguns deles: Quadrato, Aristão, Milcíades, Apolinário, Melitão de Sardes, Aristides.
O mais conhecido dos apologistas é São Justino (+ 165), o filósofo mártir. Nascido de família pagã, desde a juventude se inquietava buscando a verdade na filosofia. Num dia, em Éfeso, um ancião o convenceu de que a filosofia era insuficiente para chegar à doutrina da essência e da imortalidade da alma. Justino interessou-se pelo estudo dos Profetas do Antigo Testamento, por eles chegando ao cristianismo. Através da oração ingressou no caminho para Deus e para Jesus Cristo.
Tornou-se um mestre itinerante, andando por toda a parte até chegar a Roma, onde fundou uma escola. Justino expunha a fé cristã perto do palácio imperial, desafiando o próprio imperador para um confronto. Escreve duas Apologias. Impressionante: São Justino dirige estes escritos de defesa do cristianismo ao imperador Antonino Pio e ao Senado romano. Não tem medo. Rejeita as acusações dirigidas aos cristãos e expõe a doutrina da religião cristã. Escreve também o Diálogo com Trifão, uma conversa de dois dias entre ele e um sábio judeu.
Justino lança uma ponte entre a filosofia antiga e o cristianismo com a teoria das "sementes da verdade": cada ser humano possui em sua inteligência uma semente da Verdade, de modo que tudo na história é orientado para a chegada e a aceitação de Cristo, a verdadeira sabedoria.
Justino pagou com o sangue sua busca da Verdade e a defesa da fé. O imperador condenou-o à morte.
A fé diante de um novo mundo
O cristianismo penetra em todos os ambiente do Império e tem de enfrentar novos desafios além do direito de existir: a defesa frente ao ataque intelectual pagão e a garantia de sua unidade interna diante das heresias que começam a surgir, a mais poderosa de todos sendo o gnosticismo, que queria reduzir a fé cristão a um conhecimento intelectual. As Apologias defendem a fé e surge a necessidade de elaborar uma teologia.
Fonte:
Seleção "HISTÓRIA DA IGREJA"Publicação no ECCLESIA autorizada pelo autor
* O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco.

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