quinta-feira, 7 de junho de 2007

HISTÓRIA DA IGREJA - Século I - Cont

O Distanciamento entre Judeus e Cristãos
Pe. José Artulino Besen
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Há uma pergunta que sempre deve ser feita: por que, com o tempo, os judeus e os cristãos se separaram tanto, a ponto de no século XX o nazismo alemão, num país cristão, decretar sua extinção, assassinando seis milhões? Por que usamos palavras como "judiar", "judiaria" para indicar ações maldosas, quando sabemos que nossa fé tem origem no povo judeu, que Jesus, Maria, os apóstolos eram judeus de sangue e de fé?
Já escrevemos que os primeiros cristãos não se entendiam como uma comunidade religiosa fora do judaísmo. Procuravam ser judeus e cristãos, freqüentando o templo e seguindo os ritos religiosos, especialmente a circuncisão. Aos olhos dos judeus, os cristãos eram um grupo à parte, quase que uma seita. Já os cristãos se pensavam como os verdadeiros judeus, herdeiros das promessas do Deus de Abraão, Isaac e Jacó.
O problema vai aparecer e se acentuar à medida que pagãos aceitam a fé cristã. Surge uma pergunta que no início não se fazia: os cristãos convertidos do paganismo devem ser circuncidados, entrar a fazer parte do povo judeu?
A crise abalou a comunidade de Antioquia, cuja maioria era originária do paganismo, quando alguns cristãos provenientes da Palestina passaram a afirmar a necessidade da judaização dos cristãos: após o batismo, deveriam ser circuncidados e obedecer às outras prescrições do Antigo Testamento. Para reencontrar paz, os irmãos enviaram Paulo e Barnabé a Jerusalém, para submeter o caso à comunidade mãe.
O Concílio de Jerusalém
Era o ano 49/50, quando se reuniram os apóstolos com os anciãos no assim chamado Concílio dos Apóstolos em Jerusalém (At 15,4-35), para solucionar as dúvidas a respeito da relação judaísmo-cristianismo. Foi o último encontro dos apóstolos na cidade mãe. Paulo defendeu a liberdade dos cristãos diante das leis judaicas. Sua evangelização, livre das obrigações da Lei, foi reconhecida e aprovada por Pedro, Tiago e João, as "colunas da Igreja", que enviaram Paulo para evangelizar os pagãos.
A decisão de não obrigar os pagãos convertidos à circuncisão foi publicada no Decreto dos Apóstolos, com 4 cláusulas que visavam preservar a unidade de todos os discípulos: os pagãos convertidos deveriam evitar participar de banquetes sacrificais aos ídolos, alimentar-se de carne, de sangue e de animais sufocados e abster-se da luxúria.
Estava assim garantida a existência de duas formas legítimas do Cristianismo: a Igreja judeu-cristã e a Igreja pagano-cristã.
Conflito entre Pedro e Paulo

Se em Antioquia era fácil conservar a liberdade cristã frente ao judaísmo, não o era na Palestina, onde os preceitos de Moisés tinham valor de lei pública e desobedecê-los era trair à própria pátria que estava sofrendo sob o jugo romano. Morar em Israel era seguir a Lei. Em Jerusalém, Tiago vive como um judeu observante e justo, amado por todos, todos os dias freqüentando o templo. Pedro é tomado pela dúvida e passa a ter uma atitude ambígua: primeiramente convivia com os pagãos convertidos, mas depois passou a distanciar-se deles, preferindo os judeu-cristãos. Sabendo disso, Paulo o enfrenta, lembrando a decisão tomada em Jerusalém, que garantia a liberdade dos cristãos (Gl 2,11). Com humildade, Pedro aceita a correção.
A situação de Pedro não era fácil: ele era cristão, sim, mas em seu corpo também corria sangue judeu, sua formação era a de um judeu. E naquela hora a pátria passava por momentos difíceis, ameaçada por revoltas e uma nova invasão romana. Neste momento, abandonar a Lei de seu povo parecia a ele e aos judeu-cristãos uma verdadeira traição. Paulo, porém, também judeu, sentia a necessidade de separar os destinos do Cristianismo do destino terreno da Palestina e, mais ainda, salvar a salvação pela fé em Cristo e não pela prática da Lei. Paulo não estava traindo sua origem judaica, mas queria separar a comunidade cristã da comunidade política de Israel.
Termina a Jerusalém terrena
No ano 70, o general romano Tito conquistou Jerusalém e destruiu o templo, o símbolo maior da fé judaica: sem templo não há mais sacrifícios. A comunidade cristã se retirou para Pelas, na Transjordânia, já que não havia mais a realidade do templo, vital tanto para os judeus como para os judeu-cristãos. Nessa situação nova, os judeu-cristãos perdem terreno. Um grupo significativo deles decide permanecer no isolamento e acaba na heresia. Acabam não sendo mais nem judeus nem cristãos.
Livres do contato com o judaísmo, os ideais cristãos tornam-se sempre mais universais.
Vencera a missão de Paulo que não negava a tradição de seu povo, mas não aceitava atrelá-la à fé no Senhor ressuscitado. Não tivesse sido a escolha paulina, a Igreja conheceria os mesmo destino trágico de Israel e poderia desaparecer.
De certo modo, o desaparecimento da Igreja judeu-cristã empobreceu o cristianismo, que passou a beber menos da rica tradição religiosa de Israel.
A separação entre cristãos e judeus
Após esses fatos, a história da Igreja e da Sinagoga se separam e, dolorosamente, vão surgindo incompreensões de parte a parte, gerando o anti-semitismo, que acaba por negar que Jesus e os apóstolos eram judeus. O distanciamento vai também gerar ódio. Em Roma, cristãos são perseguidos após denúncias de judeus e judeus são perseguido pela raiva de cristãos. Para o judeu, ser cristão é ser traidor de Israel e para o cristão, ser judeu é ter participado da morte de Jesus.
Essa separação vai chegar ao ponto de no primeiro Concílio ecumênico, em Nicéia (325) se afirmar que "nós cristãos não queremos ter nada em comum com os judeus".
Hoje, quase 20 séculos depois, cristãos e judeus se redescobrem como irmãos e buscam superar as desconfianças.
Deixando de lado a espiritualidade do Antigo Testamento, durante os séculos seguintes os cristãos vão perder a riqueza da oração bíblica, da intimidade com Deus. O povo judeu era o povo da oração, é o povo autor dos Salmos!
Algumas riquezas do povo judeu que nós perdemos e tentamos recuperar: a relação entre a fé e a vida, entre Deus e a história, a santificação da vida diária, a oração brotada do coração, a dimensão do homem inseparável da comunidade, a compreensão pelos que pensam diferente e muito mais.
Quando Paulo abriu o Evangelho da Graça aos pagãos, não criou uma nova planta, mas enxertou a Igreja na Oliveira de Israel. Judeus e cristãos são filhos do Deus de Abraão.
Fonte:
Seleção "HISTÓRIA DA IGREJA"Publicação no ECCLESIA autorizada pelo autor
* O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco.

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