domingo, 17 de junho de 2007

HISTÓRIA DA IGREJA - Século I - Cont

Sereis Perseguidos por Causa de Mim - Igreja e Império
Desde o início, seguindo as pegadas do Mestre, o cristianismo passou pela provação e perseguição. Num primeiro momento por parte dos judeus, que nele viam uma traição à pátria e à Lei de Moisés.
Mas, a primeira verdadeira e grande perseguição foi a de Nero, limitada à capital, Roma. O motivo não foi a fé professada, mas a acusação caluniosa que Nero fez de que os cristãos tinham posto fogo à cidade. Passaram por toda espécie de sofrimento: queimados para iluminar a noite, torturados, comidos pelas feras. O ódio popular voltara-se contra eles e também contra judeus. No ano 67, em Roma, o apóstolo Paulo é decapitado e o apóstolo Pedro crucificado de cabeça para baixo.
Perseguições locais e clima de insegurança.
Depois do ano 70, mais vezes houve perseguições, mas sempre em nível local, pois não havia uma legislação proibindo ser cristão. Eram vítimas da aversão popular, que os acusava de odiarem o gênero humano, não amarem a vida, comerem crianças, realizarem sacrifícios rituais. A situação dos cristãos era caracterizada pela insegurança: podiam existir, mas se fossem acusados de perturbar a ordem pública, as autoridades locais se colocavam contra eles. Durante as perseguições alguns cristãos se refugiavam nas Catacumbas, locais próprios para sepultamentos.
Domiciano os perseguiu por se recusarem a prestar culto ao imperador: ele queria ser adorado como "Senhor e Deus". O imperador Trajano (98-117) criou uma lei sob a qual os cristãos viveram inseguros durante quase 200 anos: "os cristãos não devem ser procurados, mas se forem denunciados e sua culpa comprovada, devem ser punidos". Isso quer dizer: não é crime ser cristão, mas se for denunciado, passa a ser criminoso. As denúncias podiam surgir por inveja, cobiça de patrimônio, vingança pessoal e, o mais terrível, por ocasião das grandes festas, quando se necessitavam de mais vítimas para os espetáculos circenses.
Houve uma grande perseguição sob Marco Aurélio, o imperador filósofo (161-180): o Império balançava devido à peste, carestia e a ameaça dos bárbaros nas fronteiras. O povo atribui estes desastres aos cristãos e o agride e mata.
Entre 211-235 houve 30 anos de calma, sem perseguições.
Substancialmente, até a metade do 3o século, apesar do ódio das massas populares, os cristãos puderam se multiplicar e ocupar um posto digno na sociedade romana. A nova religião se colocava como proposta melhor para os que buscavam uma verdadeira religiosidade, fugindo à idolatria, ao culto imperial e ao formalismo do culto pagão.
Os cristãos eram invejados, suspeitos de ateísmo e impiedade, causa das calamidades naturais. Apesar disso, com exceção daquela de Nero, nenhuma perseguição assumiu proporções de massa.
O ataque final do Império e seu fracasso
As duas perseguições verdadeiramente graves foram as de Décio (249-251) e Diocleciano (284-305).
A de Décio foi breve, mas muito violenta. Ele acreditava salvar o Império retornando à antiga religião pagã. Usou de todos os meios: cárcere, exílio, confisco dos bens, tortura, morte. Muitos apostataram, oferecendo sacrifícios aos deuses para receber o certificado e livrar-se da prisão ou morte.
Valeriano (253-260) exigiu, sob pena de exílio, que bispos, presbíteros e diáconos sacrificassem aos deuses. Sob pena de morte foram proibidas as assembléias de culto. Os bispos deviam ser imediatamente executados.
No dia 23 de fevereiro do ano de 303 os cristãos levaram um susto. Há 40 anos viviam em paz, os mais jovens não sabiam o que era a perseguição e não se estava preparado para o sofrimento. Neste dia saiu o primeiro decreto de Diocleciano contra o cristianismo: proibição de culto, confisco dos Livros sagrados, destruição das igrejas e exclusão de cristãos dos cargos públicos. Até janeiro do ano seguinte, mais três decretos ordenavam prender todos os chefes das igrejas, libertação dos prisioneiros que sacrificassem e, por último, obrigação de todos os cristãos de oferecerem sacrifícios aos ídolos, caso contrário sofreriam o exílio, a tortura, a prisão, a morte. Esta verdadeira perseguição foi também a última. Diocleciano estava convencido de dever restaurar a antiga religião, eliminando seus inimigos para garantir a ordem do Império. Foi a mais longa e violenta das perseguições e o último desafio ao cristianismo. No Egito se executavam de 10 a 100 cristãos ao dia.
Muitos cristãos cederam ao medo e apostaram. Muitos outros morreram gloriosamente por Cristo, especialmente na Ásia e no Egito, onde foi maior a crueldade.
A perseguição mostrou-se um fracasso estratégico e pouco a pouco arrefeceu. Em 311 Galério permitiu a prática religiosa cristã. Em 313, o imperador Constantino concedeu liberdade aos cristãos que, apesar da insegurança e perseguições, tinham crescido e se constituíam na melhor força do Império. O segredo dessa força foi dado pelo heroísmo de quase 100 mil mártires.
Histórias de martírio
As autoridades ficavam impressionadas com a coragem e a simplicidade dos cristãos entregues aos tribunais. São crianças de 11 anos, como a belíssima romana Inês. Em pleno circo, arrancam-lhe as vestes para rirem de sua nudez e Deus faz o milagre de os cabelos crescerem e Santa Inês é decapitada. É o bispo Policarpo respondendo ao juiz que pede que blasfeme: "Eu sirvo a Cristo há 86 anos e ele nunca me fez mal; como posso blasfemar contra o rei que me salvou?" É o jovem Tarcísio que leva a Comunhão aos doentes, escondendo o Pão embaixo da camisa e seus colegas, para descobrirem o que é acabam por matá-lo a pedradas. É a mãe que manda recados a Deus através do filho que será martirizado. Santo Inácio de Antioquia, antes de ser despedaçado na boca de leões e tigres, dizia: "Triturado por leões, serei como o trigo que é triturado para com ele se fazer o pão da eucaristia". É o filósofo Justino (séc. II) que, convertido, vai ao palácio do imperador Marco Aurélio defender os cristãos e a fé cristã e acaba decapitado. É o jovem soldado Sebastião, da guarda imperial, que pede o batismo e depois é condenado a morrer a frechadas, amarrado a uma árvore. Os cristãos recolhem o corpo e cuidam bem, pois estava vivo. Sebastião se retraiu? Não! Foi ser catequista, sendo pouco depois martirizado. Quanta simplicidade nesses santos que nos ensinam que não existe fé sem heroísmo!
A glória da Igreja são seus mártires, homens, mulheres, jovens e crianças que a tal ponto amaram a Jesus que não lhes importou sofrer ou morrer. A perseguição que o Império romano moveu aos cristãos durante 300 anos não lhes diminuiu o número. Tertuliano, grande teólogo, dizia: "O sangue dos cristãos é semente de novos cristãos".
Fonte:
Seleção "HISTÓRIA DA IGREJA"Publicação no ECCLESIA autorizada pelo autor
* O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco.

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