terça-feira, 12 de junho de 2007

HISTÓRIA DA IGREJA - Século I - Cont

A Expansão e a Organização do Cristianismo
Evidentemente que a Igreja antiga era uma Igreja missionária, pois recebera uma ordem de Cristo neste sentido (Mt 28,19: Ide!). Os cristãos têm consciência de que devem testemunhar e desempenhar uma missão no mundo. Mas não se pode falar de atividade missionária geral e contínua organizada pela Igreja. No judaísmo não havia uma tradição missionária, pois basicamente se permanecia restrito ao povo judeu. Jesus também limita sua pregação aos discípulos e aos judeus (cf. Mt 10,5), apesar de algum contato com os pagãos. Paulo é um caso a parte: por temperamento quer andar até os confins da terra, isto é, em todo o Império. Mas, num primeiro momento, também ele permaneceu junto aos judeus.
São Lourenço distribuindo pães
A propagação do Evangelho e a semeadura de igrejas não foi fruto de um movimento entusiástico, mas a conseqüência de duas pedagogias missionárias: o anúncio e o testemunho, o "contágio". O anúncio direto foi obra dos apóstolos, de seus colaboradores, sucessores, do fervor dos recém-convertidos que procuravam convencer parentes e amigos. O "contágio" aconteceu pela admiração provocada pelas pequenas comunidades e grupos cristãos no ambiente em que viviam: a caridade, a alegria, a fraternidade, o cuidado pelos prisioneiros, a partilha causavam admiração, curiosidade e acolhida pela nova mensagem. Não se pode também esquecer que a religiosidade romana vivia numa grande crise por sua artificialidade, multiplicação dos deuses, culto dos imperadores e a simplicidade e pureza da fé cristã despertavam o interesse das pessoas que buscavam uma experiência religiosa mais séria e pessoal.
Quem eram os cristãos?
Os inimigos da Igreja, como o escritor Celso, diziam que o Cristianismo era a religião dos cardadores, sapateiros, lavadeiras, analfabetos, gente sem eira nem beira. Isso não corresponde à realidade. É verdade que muitos cristãos eram gente pobre e simples, os doentes e sofredores curados e alimentados por Jesus. Mas também há gente rica ou da classe média, como Pedro, Mateus, Zaqueu, Lázaro, o funcionário da rainha da Etiópia, o centurião Cornélio, Lídia, comerciante de púrpura, mulheres nobres que acompanham Paulo, Priscila e Áquila, para citar alguns do período neotestamentário.
Antes do ano 100, há cristãos na alta nobreza romana e na própria família imperial, como Flávia Domitila, mulher de Domiciano. O Pastor de Hermas, pelo ano 100 critica os cristãos romanos por causa de sua preocupação com os negócios e muito luxo. Um século depois, Tertuliano fala de senadores cristãos. Pelo III século, a maioria da comunidade cristã de Cartago não pertencia à classe inferior.
Podemos afirmar que, pouco a pouco, a mensagem do Evangelho atinge a todas as classes sociais que, por sua vez, procuram "contagiar" seus parentes e amigos.
O crescimento da Igreja até o século IV
É justo afirmar que o período apostólico pode ser chamado de "missionário", o que não vale para os séculos seguintes. Parece que o mandado missionário de Cristo foi interpretado como dirigido somente aos Doze e a Paulo. Após o ano 100, os bispos não sentem que sua sucessão apostólica inclua a missão. Acham que o mandato missionário de Mateus foi realizado: há cristãos nos confins da terra (os limites do Império), deste modo estando cumprida ordem de Jesus. Chama atenção o fato de que sejam pouquíssimas as orações pela conversão dos pagãos ou para a instauração de um império cristão. Após o ano 100, temos pouquíssimos missionários no sentido propriamente dito. Podemos citar Gregório o Taumaturgo para missões no Ponto e na Capadócia, Martinho de Tours para a Gália, Gregório o Iluminador para a Armênia.
A difusão do Evangelho foi condicionada e facilitada pela rede rodoviária do Império e dependeu muito do conhecimento do grego.
Como naquele tempo não havia estatísticas, um critério para o número aproximativo dos cristãos é a população do Império romano: 50/55 milhões no I século, 75/80 no II, 50 no final do III. O número dos cristãos pode ser assim estimado: 3 milhões pelo ano 250, 6/7 milhões pelo ano 300, a grande maioria no Oriente. Nesse ano, eram 800 as comunidades locais com bispo (não pensar nas dioceses de hoje, pois naquele tempo cada igreja, por menor que fosse, tinha seu bispo).
Geograficamente, seria essa a distribuição segundo as regiões do Império:
os cristãos eram quase a metade nas províncias de Edessa da Síria, Armênia, província da Ásia e Chipre;
eram forte minoria na província da África, Espanha e Gália meridional, Acaia, Antioquia, Alexandria, Roma;
eram pouquíssimos na Palestina, Fenícia, Arábia, províncias danubianas, africanas ocidentais e européias centrais;
eram pouquíssimos ou ausentes nas regiões do Mar Negro, Suíça, Alemanha, Gália do norte, Bélgica...
Fora do Império, desde o II século havia cristãos na Pérsia, Mesopotâmia e Índia.
A organização da Igreja
Se no I século o governo da Igreja era colegial – apóstolos, doutores, missionários, bispos – pelo ano 110 em algumas regiões começa a predominar o episcopado monárquico, isto é, surge a distinção entre presbíteros e bispos, passando estes a governar a igreja local. Perto do ano 220, essa será a forma normal de governo eclesial. Uma das causas foi a sucessão apostólica: os apóstolos, que eram bispos itinerantes, quando residiam numa localidade, eram chefes do presbitério local. O mesmo passa a suceder com seus colaboradores, como Timóteo e Tito, Inácio em Antioquia, Policarpo em Esmirna, Clemente em Roma. Seu raio de atuação é bastante limitado: uma região, uma zona particular. Ao mesmo tempo são bispos residenciais e bispos missionários.
Surgindo heresias, como o gnosticismo, ganha importância o conceito de sucessão apostólica, que esclarecia melhor onde estava a verdadeira fé. Os hereges criam doutrinas, os bispos não: eles transmitem o que receberam dos apóstolos, não inventam nada. Neles há a garantia da sucessão da doutrina, a sucessão apostólica. Quem está com o bispo, está com a doutrina dos Apóstolos.
O bispo é o centro de unidade, representa Deus, preside a catequese e os sacramentos e a disciplina. Os presbíteros ajudam e substituem o bispo. Os diáconos estão a serviço do bispo, ajudando-o na liturgia, tinham função administrativa e cuidavam da assistência social dos pobres. Inicialmente houve também diaconisas, com verdadeira ordenação, pertencendo à hierarquia. No II século ainda existiam os carismáticos, chamados de profetas, que ensinam nas assembléias litúrgicas e ajudam os diáconos na atividade caritativa. Pelo surgimento de muitos falsos profetas, tendem a desaparecer.
Pode-se dizer que pelo ano 200, a Igreja tinha formulado o sistema de governo e pastoreio que, em linhas gerais, é semelhante ao de hoje.
Fonte:
Seleção "HISTÓRIA DA IGREJA"Publicação no ECCLESIA autorizada pelo autor
* O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC desde 1975 e pároco.

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